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11 janeiro 2007

Sob a liderança do mexicano Hector Ruiz, a AMD tornou-se uma ameaça real a Intel

Retirado do portal EXAME
No mundo da tecnologia, as empresas costumam ser inextricavelmente associadas à imagem de seus líderes. Foi assim com a Microsoft de Bill Gates, que inaugurou a era dos nerds bilionários, e também com a Oracle de Larry Ellison, conhecido pela língua solta e por sua paixão por veleiros e iates. Mais recentemente, o símbolo dessa confusão entre egos e marcas é a dupla Sergey Brin e Larry Page. Os fundadores do Google mandaram instalar quadras de vôlei de praia (com areia) na sede californiana da empresa e pagam chefs para cozinhar as refeições dos funcionários.

Ao lado dessas personagens, a figura do mexicano Hector Ruiz, presidente da AMD, é ainda mais interessante. Responsável por uma das viradas mais celebradas da indústria de tecnologia nos últimos tempos, Ruiz, um senhor de 61 anos, é modesto e não faz questão dos holofotes. Pelo contrário. Numa passagem recente por São Paulo, encerrou uma sessão de retratos de maneira brusca. "Já chega", disse, mais preocupado com o BlackBerry que apitava do que com a pose na fotografia. Foi sob a liderança desse executivo que a AMD, eterno patinho feio do bilionário negócio de microprocessadores, tornou-se uma ameaça real à super poderosa Intel. Mas Ruiz não faz a menor questão de vestir a coroa de louros -- pelo menos não publicamente.

É claro que só esse traço não é suficiente para que Ruiz seja presença constante nas páginas da imprensa de negócios de todo o mundo. Depois de duas décadas comendo poeira, a AMD hoje detém um respeitável segundo lugar em um mercado que era praticamente exclusivo da Intel. Nos servidores de alto valor, usados em grandes data centers, por exemplo, a participação da AMD chegou a 25% -- até alguns anos atrás, era zero. No mercado de computadores pessoais, Ruiz conseguiu dobrar fabricantes de peso, como Lenovo e HP. Mas o melhor exemplo é o da Dell. Até o segundo semestre deste ano, a empresa só produzia PCs com "Intel Inside". Hoje, todos os grandes fabricantes de computador, em todas as partes do mundo, montam máquinas com processadores AMD. No Brasil, porém, a empresa perdeu mercado em 2006.

As portas se abriram graças a uma decisão estratégica tomada por Ruiz anos atrás, que de uma vez inverteu a lógica do negócio de processadores e permitiu à AMD alcançar a cobiçada posição de liderança técnica na indústria. Em vez de apostar somente na velocidade, expressa em gigahertz, a AMD foi a primeira a lançar chips com mais de um núcleo. Isso permitiu aliar os ganhos de performance a um fator cada vez mais importante: a economia de energia. A Intel, claro, não ficou parada, e hoje, do ponto de vista técnico, sua nova linha de processadores é considerada mais eficiente. Mas Ruiz já havia deixado sua marca. "Eles reagiram ao nosso sucesso. Abandonaram o seu ca minho para acompanhar o nosso", disse Ruiz a EXAME. O feito é ainda mais formidável quando se sabe que o valor de mercado da AMD não chega a um décimo do da concorrente.
Conquistas improváveis como essa definem a história de Hector Ruiz. Ele nasceu na pequena cidade de Piedras Negras, a poucos quilômetros da fronteira mexicana com os Estados Unidos, filho de pais humildes. Quando era adolescente, a sorte bateu à sua porta, literalmente. Uma vizinha, missionária metodista americana, arranjou para Ruiz uma vaga em uma escola no Texas, do outro lado do rio Grande. Ele cruzava a fronteira a pé todos os dias e mal falava inglês. No final do Ensino Médio, era o melhor aluno da classe. Daí em diante, sua vida foi uma sucessão de êxitos. Com uma bolsa de estudos, Ruiz formou-se engenheiro e fez doutorado em engenharia eletrônica. Trabalhou na fabricante de processadores Texas Instruments, foi para a Motorola e lá despontou como um executivo capaz de ao mesmo tempo tomar decisões duras (fechou fábricas e demitiu 20 000 funcionários) e inspirar seus subordinados (vários de seus colegas daquele tempo o acompanham até hoje). Em 2000, Ruiz foi levado para a AMD, na condição de braço direito do fundador, W. J. Sanders. Dois anos depois, foi elevado ao cargo de presidente. "Nunca planejei ser um líder nem acredito em sorte", diz Ruiz. "Mas tenho uma convicção: se você estiver bem preparado, contar com uma boa educação e fizer as coisas com amor, as portas se abrirão."

Isso é o pouco que Ruiz tem a dizer de si próprio. Quem o acompanha há vários anos, porém, é mais generoso. "É um visionário, um executivo brilhante", diz Bill Edwards, vice-presidente de inovação da AMD e colega de Ruiz dos tempos de Motorola. "Ele não centraliza e não diz como as coisas devem ser feitas. Ele apenas faz as perguntas certas. Quem está acostumado a trabalhar com um chefe que dá ordens precisas fica desorientado", diz Edwards. Essas qualidades serão mais necessárias do que nunca em 2007. Embora a AMD calcule que sua produção vá crescer 20%, o dobro do restante da indústria, a vantagem técnica que a empresa conseguiu diante da Intel agora não está tão segura. Depois de mudar o nome do jogo de velocidade pura e simples para performance, Ruiz vai ter de esperar até pelo menos a metade do ano para lançar seu chip com quatro núcleos, conhecido no jargão como chip "quadcore". Paul Otellini, presidente da Intel, apresentou o seu ao mercado no final de 2006 e já tem no horizonte produtos com até 80 núcleos.


ISSO SIGNIFICA QUE A CORRIDA, antes medida em gigahertz, agora vai ser baseada no número de "cérebros" de cada chip? Ruiz diz que não, e sua última cartada é uma confirmação disso. Em julho, a AMD anunciou a compra da ATI, uma companhia especializada em um tipo de processador que lida com as capacidades gráficas dos PCs. Por trás da compra, no valor de 5,4 bilhões de dólares, está uma visão clara do futuro do negócio de computadores. Até hoje, a produtividade pessoal e no trabalho sempre foi o principal impulso no desenvolvimento das máquinas. Mas, com a crescente distribuição de vídeos pela internet, Ruiz acredita que a parte gráfica será cada vez mais importante na decisão dos consumidores. O plano é criar um novo e revolucionário tipo de chip, que cumpra tanto as tarefas básicas que se espera de um computador como a exibição de imagens em movimento (para isso, hoje são necessários dois componentes separados). Integrar a AMD e a ATI sem perder a concentração no dia-a-dia será um dos principais desafios de Ruiz daqui em diante.

Outro ponto fundamental em sua agenda é a questão do consumo de energia. Quando se fala em aquecimento global, pensa-se em usinas queimando carvão na China e florestas devastadas. Mas, inevitavelmente, o negócio dos computadores também terá de dar sua contribuição, diz Ruiz. "Um grande data center tem um consumo equivalente ao de uma cidade de 150 000 pessoas. Estamos falando de prédios que têm o tamanho de um quarteirão." Além do crescente consumo dos processadores, há os gastos com ar-condicionado -- quanto mais potente o chip, mais ele esquenta e mais alta é a conta. Segundo Ruiz, a questão do consumo será um dos principais motores da inovação na indústria tecnológica. A Intel já anunciou a meta de, em 2008, reduzir o consumo de seus chips em 90%.

Existe outro fator que nada tem a ver com tecnologia e está fora do alcance de Ruiz, mas que pode ser decisivo quando se falar na briga Intel versus AMD. Há um ano e meio, a empresa anunciou uma ação contra a Intel na Justiça. Grosso modo, alega que a concorrente abusa de seu poder de mercado e que, por meio de incentivos e intimidações, impede que os fabricantes de computador lancem produtos equipados com processadores AMD. Dois anos atrás, talvez a acusação fizesse sentido. Mas, diante do crescimento da participação da AMD, muitos se questionam se existem elementos para condenar a Intel por práticas monopolistas. Ruiz já sofreu uma derrota importante em setembro, quando um juiz indeferiu parte da ação e adiou o julgamento para abril de 2009. "Apesar desse adiamento, estamos confiantes. Queremos acabar com o estrangulamento", diz Ruiz. "Quando isso acontecer, ganharemos não só nós mas todo o mercado." Um dos raros momentos em que ele aproveita a atenção da mídia é quando fala da disputa judicial. Já chamou a Intel de um "Golias abusivo" -- o que equivale a se auto-intitular, nada humildemente, de Davi.


Hector Ruiz
Presidente mundial da AMD
Idade61 anos
OrigemPiedras Negras, México
FormaçãoEngenharia eletrônica na Universidade do Texas, Ph.D. em Eletrônica Quântica
CarreiraTexas Instruments, Motorola e AMD
Estilo de gestãoDelega responsabilidades e dá total liberdade de ação a seus executivos
Principais realizações na AMDReverteu prejuízos de mais de 1 bilhão de dólares no começo da década, investiu em processadores de baixo consumo e passou à frente da Intel com a tecnologia de núcleos múltiplos